quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Alfabetização e letramento


Entrevista Magda Soares

Ano VI - Nº 20 - Oralidade, alfabetização e letramento
Alfabetização e letramento na educação infantil
Magda Soares

Curiosamente, atividades bastante comuns na educação infantil - os rabiscos, os desenhos, os jogos, as brincadeiras de faz-de-conta - não são consideradas atividades de alfabetização, quando representam, na verdade, a fase inicial da aprendizagem da língua escrita, constituindo, segundo Vygotsky, a pré-história da linguagem escrita: quando atribui a rabiscos e desenhos ou a objetos a função de signos, a criança está descobrindo sistemas de representação, precursores e facilitadores da compreensão do sistema de representação que é a língua escrita.

A vivência de representações semióticas, não propriamente linguísticas, são um primeiro passo em direção à representação da cadeia sonora da fala pela forma gráfica da escrita. Uma lata de sardinha que se torna um signo de representação de um trem é, na interpretação de Vygotsky (1984), uma operação cognitiva precursora e preparatória do mais complexo e abstrato processo de atribuição de signos aos sons da fala, ou seja, do processo de conceitualização da escrita como um sistema de representação.

Essa fase considerada a pré-história da escrita explica por que a criança pequena supõe estar escrevendo quando está desenhando ou quando está fazendo rabiscos e garatujas, nesse caso muitas vezes tentando imitar a escrita cursiva dos adultos, o que já representa um avanço em seu processo de alfabetização - um reconhecimento da natureza arbitrária da escrita. É o primeiro nível, entre os níveis por que passam as crianças em seu processo de conceitualização do sistema alfabético, identificados tão claramente por Emilia Ferreiro e Ana Teberosky (2001): níveis icônico e da garatuja, pré-silábico, silábico, silábico-alfabético e alfabético.

Quase todos esses níveis, se não todos, ocorrem, ou podem ocorrer, na educação infantil: lembremos que Ferreiro e Teberosky identificaram os níveis investigando comportamentos de crianças de 4, 5 e 6 anos. Como comprovam inúmeras pesquisas e observações em instituições de educação infantil, as crianças de 4 e 5 anos, com raras exceções, evoluem rapidamente em direção ao nível alfabético se são orientadas e incentivadas por meio de atividades adequadas e sempre de natureza lúdica, característica necessária na educação de crianças pequenas: escrita espontânea, observação da escrita do adulto, familiarização com as letras do alfabeto, contato visual frequente com a escrita de palavras conhecidas, sempre em um ambiente no qual estejam rodeadas de escrita com diferentes funções: calendário, lista de chamada, rotina do dia, rótulos de caixas de material didático, etc.

Mesmo atividades muito presentes na educação infantil, via de regra consideradas apenas por sua natureza lúdica - a repetição de parlendas, a brincadeira com frases e versos trava-línguas, as cantigas de roda, a memorização de poemas -, são passos em direção à alfabetização porque, se forem orientadas nesse sentido, desenvolverão a consciência fonológica, um aspecto fundamental para a compreensão do princípio alfabético: se o sistema alfabético representa os sons da língua, é necessário que a criança torne-se capaz de voltar sua atenção não apenas para o significado do que fala ou ouve, mas também para a cadeia sonora com que se expressa oralmente ou que recebe oralmente de quem com ela fala; que perceba, na frase falada ou ouvida, os sons que delimitam as palavras, em cada palavra, os sons das sílabas que constituem cada palavra, em cada sílaba, os sons e que são feitas.

Várias pesquisas comprovam a correlação entre consciência fonológica e progresso na aprendizagem da leitura e da escrita. Portanto, jogos voltados para o desenvolvimento da consciência fonológica, se realizados sistematicamente na educação infantil, criam condições propícias e, inclusive, necessárias para a apropriação do sistema alfabético.

Magda Soares é doutora em Educação e professora da Faculdade de Educação da UFMG.
mbecker.soares@terra.com.br
REFERÊNCIAS
FERREIRO, E. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez, 1985. ____.; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artmed, 2001. VYGOTSKY, L. A pré-história da língua escrita. In: A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
Fonte: revista Pátio online

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http://alfabetizacaoeletramneto.blogspot.com.br/2009/11/entrevista-magda-soares.html